COMISSÃO DE BRAILLE
José António Lages Salgado Baptista
A INVENÇÃO DO BRAILLE E A SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DOS CEGOS
LOUIS BRAILLE
1809 - 1852
2000
LISBOA
Ficha Técnica:
Título: A invenção do Braille e a sua Importância na Vida dos Cegos
Autoria: José António Lages Salgado Baptista
Impressão: Gráfica 2000
Rua Sacadura Cabral, 89-
Data de Impressão: Novembro de 2000
Depósito Legal Nº.: 157713/00
ISBN: 972-98660-0-7
I - A EDUCAÇÃO DOS CEGOS
Foi no século XVIII que se iniciou, de forma sistemática, o ensino dos
cegos.
Valentin Haüy (1745-1822), homem de ciência e homem de coração, fundou em
Paris, em
De haver contemplado, na Feira de Santo Ovídio, em Paris, um espetáculo que o chocou profundamente. Sobre um estrado, por conta de um empresário sem escrúpulos, dez cegos exibiam-se como fantoches. Homem de ciência, influenciado pelas filosofias sensistas segundo as quais tudo vinha dos sentidos, Valentin Haüy entendeu que na educação dos cegos o problema essencial consistia em fazer que o visível se tornasse tangível. Adaptou, pois, para o seu uso, os processos dos videntes. Aliás, Valentin Haüy foi o primeiro a defender o princípio de que, tanto quanto fosse possível, a educação dos cegos não deveria diferenciar-se da dos videntes. Na sua escola, para a leitura, adotou o alfabeto vulgar, que se traçava em relevo na expectativa de que as letras fossem percebidas pelos dedos dos cegos. Para a escrita (redações e provas ortográficas), serviu-se de caracteres móveis. Os alunos aprendiam a conhecer as letras e os algarismos, a combinar os caracteres para formar palavras e números e a construir frases. Tudo isso não passava de meros exercícios tipográficos, sempre condenados à destruição. O problema da educação dos cegos só ficou satisfatoriamente resolvido com a invenção e adoção do Sistema Braille - processo de leitura e escrita por meio de pontos em relevo hoje empregado no mundo inteiro. O Sistema Braille é um modelo de lógica, de simplicidade e de polivalência, que se tem adaptado a todas as línguas e a toda a espécie de grafias. Com a sua invenção, Luís Braille abriu aos cegos, de par em par, as portas da cultura, arrancando-os à cegueira mental em que viviam e rasgando lhes horizontes novos na ordem social, moral e espiritual.
II - LUÍS BRAILLE
Luís Braille era natural de Coupvray, pequena aldeia a leste de Paris, Onde nasceu a
Braille, o
correeiro da localidade, e de Mónica Baron. Tinha um irmão e duas irmãs.
A sua
vida foi uma vida humilde. Das mais modestas.
Em 1812, quando brincava na oficina do pai, Luís Braille feriu-se num dos
olhos.
A infecção progrediu, transmitiu-se ao olho são, vindo o pequeno a ficar
completamente cego algum tempo depois. Pouco deve ter conservado em
termos de
imagens visuais ou de recordações dos rostos e dos lugares que rodearam a
sua
infância.
Os pais souberam assegurar, da melhor maneira possível, a primeira
educação
deste seu filho cego. Sabe-se que Luís Braille frequentou a escola da sua
aldeia, beneficiando assim do contacto com pequenos condiscípulos
videntes.
Sabe-se também que quando Luís Braille chegou à escola que Valentin Haüy
havia
fundado com carácter privado, e que, depois de ter passado por diversas
vicissitudes, tinha então o nome de Instituição Real dos Jovens Cegos,
sabia
fazer franjas para os arneses. Este trabalho foi a base do
desenvolvimento da
sua destreza manual.
O pai de Luís Braille teve conhecimento da existência da Instituição Real
dos
Jovens Cegos, em Paris, e escreveu repetidas vezes ao director para se
inteirar
dos trabalhos que ali se realizavam e certificar-se de que eram
verdadeiramente
úteis para a educação do seu filho. Depois de algumas hesitações,
decidiu-se
pelo internamento.
Luís Braille deu entrada na Instituição em
estudou
e leu nos livros impressos em caracteres ordinários, ideados por Valentin
Haüy.
Era habilidoso, aplicado e inteligente. Carácter sério, dele também se
pode
dizer que era a honradez
investigação, nele predominava a imaginação criadora e a mentalidade
lógica.
A partir de 1819 Luís Braille viveu uma vida de internado na Instituição
dos
Jovens Cegos, que foi para ele como que um segundo lar. Mas passava as
suas
férias em Coupvray e aqui residiu também todas as vezes que a doença o
obrigou a
prolongados repousos. Em Coupvray permaneceram os seus restos mortais
desde 10
de Janeiro de 1852, já que a sua morte se verificou em Paris, a 6 do
mesmo mês.
No centenário da sua morte, em Junho de 1952, representantes de quarenta
países
foram em romagem a Coupvray, ao túmulo de Luís Braille, e acompanharam a
transladação do seu corpo para o Panteão dos Homens Ilustres. Era o
reconhecimento da França, para quem o nome de Braille é um raio do
esplendor da
intelectualidade e do humanismo francês. Era a gratidão dos cegos de todo
o
mundo, para quem Braille, mais do que um nome, é um símbolo. Símbolo da
emancipação conquistada, para todos os cegos, por um dos seus.
III - DA SONOGRAFIA DE BARBIER AO SISTEMA BRAILLE
No próprio ano
Instituição,
o capitão de artilharia Carlos Barbier de
se pela
escrita dos cegos.
Apaixonado pelos problemas da escrita rápida e secreta, Carlos Barbier
ideou um
processo, que foi evoluindo ao longo de sucessivos aperfeiçoamentos,
destinado a
velar o segredo das mensagens militares e diplomáticas. Em determinada
fase da
sua evolução o processo aparece na forma de uma sonografia constituída
por 36
sinais representativos de outros tantos sons e distribuídos por 6 linhas
de 6
sinais cada uma, formando igual número de colunas. Bastava indicar, por
dois
algarismos, a linha e a ordem que o sinal nela ocupava para facilmente o
identificar.
Numa outra fase desta evolução Barbier teve a ideia de designar as
coordenadas
dos seus símbolos sonográficos por certo número de pontos (indicativos da
linha
e da coluna a que o símbolo pertencia) colocados em duas filas verticais
e
paralelas. Assim, por exemplo, o sinal que estivesse em última posição na
segunda linha seria representado por dois pontos na fila vertical
esquerda e
seis pontos na fila vertical direita.
Neste ponto da sua evolução a sonografia de Barbier estava concebida e
realizada
para que os videntes se entendessem no que concerne à escrita secreta por
meio
de pontos, que deviam fazer-se com o lápis ou a pena.
Mas, sendo Barbier capitão de artilharia, algum dia terá pensado na
necessidade
de os oficiais em campanha expedirem mensagens na obscuridade. Assim, em
novo
aperfeiçoamento, introduziu os pontos em relevo para ir ao encontro dessa
necessidade. Barbier inventou um pequeno instrumento por meio do qual,
com
auxílio de um estilete, podiam gravar-se no papel todos os símbolos do
seu
sistema. E deu o nome de «escrita nocturna sem lápis e sem tinta» a esta
sonografia mais aperfeiçoada. A «escrita nocturna» podia até tornar
possível
decifrar mensagens no escuro, contando os pontos com os dedos.
O tacto acabou por aparecer como elemento essencial para a interpretação
dos
símbolos formados por pontos em relevo, que agora constituíam a
sonografia de
Barbier. Foi então que lhe ocorreu, não se sabe devido a que
circunstâncias, pôr
esta sonografia, ou «escrita nocturna», ao serviço dos cegos. Do ponto de
vista
psicológico, coube-lhe o mérito de evidenciar que a leitura por meio de
pontos é
mais adequada para o sentido do tacto do que as letras vulgares em relevo
linear.
Em Março e Abril de 1821, depois de ter experimentado com alguns cegos,
Carlos
Barbier foi recebido na Instituição e apresentou a sua «escrita
nocturna». Mas
as grandes dimensões dos caracteres tornavam difícil conhecê-los ao
primeiro
contacto táctil e lê-los sem ziguezaguear com o dedo através das linhas.
Por outro lado, os princípios fonéticos em que o sistema assentava faziam
dele,
apesar dos seus méritos, um sistema pouco prático.
O sistema de Barbier nunca foi usado na Instituição, mas constituiu a
base dos
trabalhos que Luís Braille realizou por volta de 1825. Luís Braille
reconheceu
que os sinais com mais de três pontos em cada fila ultrapassavam as
possibilidades de uma única percepção táctil. Tratou, pois, de lhes
reduzir as
proporções, de modo a obter sinais que pudessem formar uma verdadeira
imagem
debaixo dos dedos. Além disso, criou uma convenção gráfica, atribuindo a
cada
símbolo valor ortográfico e não fonético, em perfeita equivalência com os
caracteres vulgares.
Aponta-se geralmente o ano de 1825 como a data do aparecimento do Sistema
Braille, mas só em 1829 Luís Braille publicou a primeira edição do seu
«Processo
para Escrever as Palavras, a Música e o Canto-Chão por meio de Pontos,
para Uso
dos Cegos e dispostos para Eles», a que deu forma definitiva na segunda
edição
publicada em 1837.
Na edição de 1829 há 96 sinais. Os sinais estão agrupados em nove séries
de dez
sinais cada uma e mais seis suplementares. Apenas as quatro primeiras
séries
correspondem ao sistema que actualmente conhecemos. As restantes séries
combinam
pontos e traços, aproveitando, pois, elementos dos métodos anteriores de
escrita
linear.
O «Processo» de 1829 proporcionou uma excelente base de experimentação.
Sabe-se
que por volta de 1830 o Sistema Braille se começou a empregar nas aulas
para a
escrita de exercícios.
Esta feliz iniciativa fez com que se prescindisse dos sinais com traço
liso,
muito difíceis de escrever. A edição de 1837 confirma o alfabeto e
estabelece
uma estenografia rudimentar, que evoca claramente a sonografia de
Barbier.
Normaliza a representação dos números, que vêm formados pelos sinais da
primeira
série precedidos do que ainda hoje conhecemos como «sinal numérico». Os
sinais
de pontuação são representados com os sinais que constituem a actual
quinta
série.
A edição de 1837 contém ainda uma notação que, nas suas linhas
essenciais,
constitui o núcleo da musicografia braille dos nossos dias.
IV - O TRIUNFO DO SISTEMA BRAILLE
Era necessário um cego para imaginar um alfabeto táctil. E também foi
preciso,
em muitos sítios, o esforço perseverante dos cegos para impor o seu uso.
Os
professores e directores de escolas especiais, quase sempre pessoas
videntes,
eram contrários à adopção de um alfabeto duro para a vista. Por isso,
agarravam-se ao princípio de Haüy segundo o qual a educação dos cegos não
deveria diferenciar-se da dos videntes, levavam esse princípio ao exagero
e não
renunciavam à leitura em caracteres comuns. Só o formidável impulso dos
cegos
que se serviam do alfabeto braille pôde obrigar os responsáveis pela sua
educação a reconhecer os frutos que a aplicação deste alfabeto produzia
nas
escolas.
Coisa diferente aconteceu nos países ou regiões em que não era conhecido
nenhum
outro método de leitura e escrita para cegos. Foi o caso da América
Latina, onde
a história da educação das pessoas cegas começa com o Sistema Braille. A
chegada
do braille, o início da alfabetização e educação e também a criação de
imprensas
e bibliotecas para cegos foram fenómenos simultâneos.
NA FRANÇA. - A Instituição Real dos Jovens Cegos, onde o Sistema Braille
foi
concebido e aperfeiçoado, demorou 25 anos a aceitá-lo de maneira
definitiva.
Aponta-se a data de 1854 como a da implantação do Sistema Braille em
França.
Na Instituição era conhecido outro método de leitura para cegos. O
director foi
jubilado prematuramente e o novo director pretendeu voltar ao relevo
linear,
impondo-o no campo literário entre 1840 e 1850. Durante esses anos de
eclipse o
braille afirma-se na música (há obras impressas em que o texto literal
aparece
em caracteres ordinários em alto relevo e a música em notação braille) e
os
alunos e professores usam-no nas suas coisas pessoais.
NO BRASIL. - A data de 1854 pode também considerar-se como o ponto de
partida da
difusão do Sistema Braille fora da França.
Nesse ano foi levada a cabo, na Instituição Real dos Jovens Cegos, a
impressão
de um método de leitura em língua portuguesa, registado no Museu Valentin
Haüy
com o nº 1439.
Acontece que um rapaz cego, José Álvares de Azevedo, regressou ao Brasil
depois
de ter estudado durante seis anos
francês
que esteve ao serviço da corte imperial brasileira e pai de uma filha
cega,
Adélia Sigaud, conheceu-o e apresentou-o ao Imperador D. Pedro II,
conseguindo
despertar o seu interesse para a possibilidade de educar os cegos. O Dr.
Xavier
Sigaud foi o primeiro director do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,
hoje
Instituto Benjamin Constant, inaugurado no Rio de Janeiro em 17 de
Setembro de
1854.
EM PORTUGAL. - Adélia Sigaud estava em Lisboa por volta de 1885. É
conhecida na
história da tiflologia em Portugal como «Madame Sigaud Souto». Aqui
estava
também, por essa altura, Léon Jamet, que era organista na igreja de S.
Luís dos
Franceses e havia estudado na Instituição de Paris.
A convivência com estes dois não videntes instruídos motivou, em 1887, um
grupo
de pessoas a fundar a Associação Promotora do Ensino dos Cegos. Em
APEC
inaugurava a sua primeira escola, que adoptou a classificação de asilo-
escola e
tomou por patrono António Feliciano de Castilho em 1912, ao instalar-se
em Campo
de Ourique, em edifício próprio.
Branco Rodrigues (1861-1926) colaborou com Madame Sigaud Souto. Foi o
primeiro
grande impulsionador da valorização dos cegos
depois de
ter instruído alguns alunos na escola da APEC, criou uma aula de leitura
e de
música no Asilo de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide. Em
1897, numa
sala cedida pela Misericórdia de Lisboa, instalou outra aula de leitura.
Fundou
escolas que vieram a transformar-se no Instituto de Cegos Branco
Rodrigues, em
S. João do Estoril, e no Instituto S. Manuel, no Porto. Dotou essas
instituições
com bibliotecas braille, literárias e musicais, quer adquirindo livros
impressos
no estrangeiro, quer promovendo a sua produção por transcritores e
copistas
voluntários. Além disso, com a colaboração de um habilidoso funcionário
da
Imprensa Nacional, fez as primeiras impressões em braille que apareceram
em
Portugal. A primeira impressão foi em 1898, de um número especial do
«Jornal dos
Cegos», comemorativo do 4º centenário do descobrimento do caminho
marítimo para
a Índia.
NOS PAÍSES GERMÂNICOS. - A segunda edição do «Processo», em 1837, foi
confeccionada para dar a conhecer o Sistema Braille e assegurar a sua
difusão no
estrangeiro. Apresentava o Pai Nosso em seis línguas - latim, italiano,
espanhol, inglês, alemão e francês -, com a correspondente versão em
caracteres
ordinários em relevo linear. Sabe-se que esta edição foi remetida a todas
as
escolas de cegos então existentes.
Mas nos países germânicos o Sistema Braille levou 40 anos a impor-se. Era
acusado de erguer um muro entre os cegos e os videntes. Não se queria
aceitar um
processo que os videntes não podiam ler senão após um período de
aprendizagem.
Uns estavam demasiado apegados à rotina e outros queriam ser também
inventores.
Por isso, o sistema original francês haveria ainda de sofrer um novo
embate. Em
Santa Maria de Leipzig, fazendo malabarismos com o braille, idearam um
alfabeto
no qual as letras com menos pontos correspondiam às letras mais usadas em
língua
alemã. Assim, a primeira série representava as letras e, m, r, u, i, l,
p, g, d,
f. O Congresso Internacional de Paris, em 1878, liquidou estas diferenças
por
grande maioria, inclinando a balança para o sistema francês. Assistiram
representantes da Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda,
Suécia, Suíça, Estados Unidos...
NOS ESTADOS UNIDOS. - De todos os países de línguas europeias só os
Estados
Unidos da América se atrasaram muito em seguir este movimento. Na maior
parte
das instituições usavam-se os caracteres romanos juntamente com o «New
Point» ou «Wait System». Neste sistema, o rectângulo braille tinha três
pontos
de largura por dois de altura. O acordo apenas surgiu no Congresso de
Little
Rock, em 1910.
O braille original impunha-se pelas suas próprias virtudes.
V - O SISTEMA BRAILLE E A VIDA DOS CEGOS
O Sistema Braille é constituído por 63 sinais, obtidos pela combinação
metódica
de seis pontos que, na sua forma fundamental, se agrupam em duas filas
verticais
e justapostas de três pontos cada. Estes sinais não excedem o campo
táctil e
podem ser identificados com rapidez, pois, pela sua forma, adaptam-se
exactamente à polpa do dedo.
Na leitura qualquer letra ou sinal braille é apreendido em todas as suas
partes
ao mesmo tempo, sem que o dedo tenha que ziguezaguear para cima e para
baixo.
Nos leitores experimentados o único movimento que se observa é da
esquerda para
a direita, ao longo das linhas. Não somente a mão direita corre com
agilidade
sobre as linhas, mas também a mão esquerda toma parte activa na
interpretação
dos sinais. Em alguns leitores a mão esquerda avança até mais ou menos
metade da
linha, proporcionando assim um notável aumento de velocidade na leitura.
Dispondo de um processo fácil de leitura, o gosto pelos livros estendeu-
se
amplamente entre os cegos e ocupou um lugar importante na sua vida. À
instrução
oral sucedeu a instrução pelo livro. O conhecimento intelectual, sob
todas as
suas formas (filosofia, psicologia, teologia, matemáticas, filologia,
história,
literatura, direito...), tornou-se mais acessível aos cegos.
Os benefícios do Sistema Braille estenderam-se progressivamente, à medida
que as
aplicações revelavam todas as suas potencialidades. As estenografias
tornaram a
escrita mais rápida e menos espaçosa. As máquinas de escrever permitiram
fazer
simultaneamente todos os pontos de um sinal, em vez de os gravar um a um,
com o
punção. Enfim, obteve-se o interponto, graças a um sistema de precisão em
que é
possível intercalar os pontos do reverso de uma página com os do seu
anverso.
Nos dias de hoje as novas tecnologias representam o mais espantoso
contributo
para valorizar o Sistema Braille, depois da sua invenção. A drástica
redução de
espaço proporcionada pelo braille electrónico é exemplo disso. Um livro
em
braille com 2000 páginas de formato A4 pode ficar contido numa só
disquete. Uma
vez introduzido o texto desse livro no computador, o utilizador cego tem
ao seu
alcance toda a informação não gráfica disponível no ecrã, que pode ler
através
de um terminal braille.
Um outro exemplo é a facilidade de imprimir textos em braille.
Introduzidos no
computador, os textos podem ser submetidos a um programa de tratamento
específico e sair numa impressora braille. Os textos assim tratados podem
utilizar-se, quer na produção directa em papel, quer na produção de
placas de
impressão, conforme o número de exemplares a obter. A impressão de
livros,
permitindo a sua multiplicação, tem um efeito cultural considerável.
VI - A UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BRAILLE NOS NOSSOS DIAS
Não obstante as virtudes do Sistema Braille, não obstante a extensão dos
seus
benefícios, temos de reconhecer que nos nossos dias existe uma tendência
para a
menor utilização do braille e para o abaixamento da qualidade do braille
que se
utiliza. O alerta foi dado quando o uso dos livros sonoros se começou a
generalizar, mas há outros factores que igualmente explicam a crise.
Entre estes
factores conta-se a exiguidade dos fundos bibliográficos braille, que
podem
eventualmente não corresponder às necessidades dos potenciais
utilizadores. Em
Portugal, por exemplo, a maior parte do braille que se produz é destinada
ao
ensino, designadamente aos estudantes que frequentam o ensino regular.
A crise do braille também tem a ver com dificuldades inerentes ao próprio
braille, sobretudo quando, como acontece actualmente entre nós, essas
dificuldades são agravadas por um ensino mal orientado. Efectivamente,
hoje em
dia, durante a Escolaridade Obrigatória, os nossos estudantes cegos não
são
motivados para a prática do braille nem o conhecem em todas as suas
modalidades.
Lêem pouco, o processo de reconhecimento dos caracteres é lento e eles
cansam-se
depressa. Incapazes de ler a um ritmo satisfatório, fogem de utilizar os
livros
e manuais que já vão tendo ao seu dispor. Recorrem preferencialmente a
textos
introduzidos no computador, que ouvem com recurso à voz sintética, ou
servem-se
de leituras feitas por outrem, normalmente gravações em fita magnética
(livros
sonoros). A falta de leitura directa reflete-se, naturalmente, na
escrita, que é
deficiente quanto ao braille e desconcertante quanto à ortografia.
Os livros sonoros e a informática são muito importantes para o
desenvolvimento
cultural dos cegos, mas nada poderá ou deverá substituir o braille como
sistema
base da sua educação. Tal como a leitura visual, a leitura braille leva
os
conhecimentos ao espírito através de mecanismos que facilitam a meditação
e
assimilação pessoal daquilo que se lê. O braille permite estudar os
quadros em
relevo e ler eficientemente os livros técnicos. O braille é, ainda, o
único meio
de leitura disponível para os surdocegos. Por outro lado, a perfeição na
escrita
está relacionada com a leitura braille que cada um faz, pois é através
dela que
entra em contacto com a estrutura dos textos, a ortografia das palavras e
a
pontuação.
A qualidade do ensino do braille é decisiva para uma leitura destra e
para a
aquisição de hábitos de leitura. Se os alunos cegos, como as outras
crianças,
forem motivados para a prática normal e constante do seu método de
leitura e
escrita, a leitura será rápida e tornar-se-á também mais agradável e
instrutiva,
porque a atenção, menos requerida pelo trabalho de reconhecimento dos
caracteres, irá mais em ajuda do pensamento. Ao acabarem de ler, as
crianças e
jovens cegos terão aprendido alguma coisa e estarão mentalmente dispostos
a
partir para novas leituras. Ora, é a ler que se ganha e se desenvolve o
gosto
pela leitura. Só o gosto de ler garante que o processo de aquisição de
cultura
não se interromperá ao sair da Escola, apesar das vicissitudes do
quotidiano. E
não se pode ignorar a importância da cultura como factor de integração
social,
como instrumento de trabalho e como elemento de conscientização na vida
das
pessoas cegas.
É, pois, necessário rever a política até agora seguida pelo Ministério da
Educação no que toca ao ensino dos alunos cegos, para que os passe a
habilitar a
ler e a escrever braille exactamente como os demais alunos são
habilitados a ler
e a escrever. Levar os jovens cegos a utilizar abusivamente meios que são
complementares do braille, não lhes fornecer os livros em braille e
outros
materiais de que precisam e já existem ou é possível produzir, abandoná-
los a si
mesmos ou às condições que o meio familiar e a sua escola lhes dêem,
equivale a
comprometer seriamente, no dia de amanhã, as suas possibilidades de
afirmação,
tanto na vida profissional como nas actividades de lazer.
Julho de 2000.
[início da contracapa]
Alfabeto Braille
COMISSÃO DE BRAILLE
SECRETARIADO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
Avª. Conde de Valbom, 63
1069-178 LISBOA
Telf.: 21 792 95 29
Fax: 21 794 22 08
Email: comissao.braille@snripd.mts.gov.pt
[fim da contracapa]
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