sexta-feira, 12 de junho de 2009

Invenção de BRAILLE

COMISSÃO DE BRAILLE

José António Lages Salgado Baptista

A INVENÇÃO DO BRAILLE E A SUA IMPORTÂNCIA NA VIDA DOS CEGOS

LOUIS BRAILLE

1809 - 1852

2000

LISBOA

Ficha Técnica:

Título: A invenção do Braille e a sua Importância na Vida dos Cegos

Autoria: José António Lages Salgado Baptista

Impressão: Gráfica 2000

Rua Sacadura Cabral, 89-91 A 1495 Cruz Quebrada

Data de Impressão: Novembro de 2000

Depósito Legal Nº.: 157713/00

ISBN: 972-98660-0-7

I - A EDUCAÇÃO DOS CEGOS

Foi no século XVIII que se iniciou, de forma sistemática, o ensino dos

cegos.

Valentin Haüy (1745-1822), homem de ciência e homem de coração, fundou em

Paris, em 1784, a primeira escola destinada à educação dos cegos e à sua preparação profissional. Homem de coração, Valentin Haüy teve a idéia de instruir os cegos depois

De haver contemplado, na Feira de Santo Ovídio, em Paris, um espetáculo que o chocou profundamente. Sobre um estrado, por conta de um empresário sem escrúpulos, dez cegos exibiam-se como fantoches. Homem de ciência, influenciado pelas filosofias sensistas segundo as quais tudo vinha dos sentidos, Valentin Haüy entendeu que na educação dos cegos o problema essencial consistia em fazer que o visível se tornasse tangível. Adaptou, pois, para o seu uso, os processos dos videntes. Aliás, Valentin Haüy foi o primeiro a defender o princípio de que, tanto quanto fosse possível, a educação dos cegos não deveria diferenciar-se da dos videntes. Na sua escola, para a leitura, adotou o alfabeto vulgar, que se traçava em relevo na expectativa de que as letras fossem percebidas pelos dedos dos cegos. Para a escrita (redações e provas ortográficas), serviu-se de caracteres móveis. Os alunos aprendiam a conhecer as letras e os algarismos, a combinar os caracteres para formar palavras e números e a construir frases. Tudo isso não passava de meros exercícios tipográficos, sempre condenados à destruição. O problema da educação dos cegos só ficou satisfatoriamente resolvido com a invenção e adoção do Sistema Braille - processo de leitura e escrita por meio de pontos em relevo hoje empregado no mundo inteiro. O Sistema Braille é um modelo de lógica, de simplicidade e de polivalência, que se tem adaptado a todas as línguas e a toda a espécie de grafias. Com a sua invenção, Luís Braille abriu aos cegos, de par em par, as portas da cultura, arrancando-os à cegueira mental em que viviam e rasgando lhes horizontes novos na ordem social, moral e espiritual.

II - LUÍS BRAILLE

Luís Braille era natural de Coupvray, pequena aldeia a leste de Paris, Onde nasceu a 4 de Janeiro de 1809. Era o filho mais novo de Simão Renato

Braille, o

correeiro da localidade, e de Mónica Baron. Tinha um irmão e duas irmãs.

A sua

vida foi uma vida humilde. Das mais modestas.

Em 1812, quando brincava na oficina do pai, Luís Braille feriu-se num dos

olhos.

A infecção progrediu, transmitiu-se ao olho são, vindo o pequeno a ficar

completamente cego algum tempo depois. Pouco deve ter conservado em

termos de

imagens visuais ou de recordações dos rostos e dos lugares que rodearam a

sua

infância.

Os pais souberam assegurar, da melhor maneira possível, a primeira

educação

deste seu filho cego. Sabe-se que Luís Braille frequentou a escola da sua

aldeia, beneficiando assim do contacto com pequenos condiscípulos

videntes.

Sabe-se também que quando Luís Braille chegou à escola que Valentin Haüy

havia

fundado com carácter privado, e que, depois de ter passado por diversas

vicissitudes, tinha então o nome de Instituição Real dos Jovens Cegos,

sabia

fazer franjas para os arneses. Este trabalho foi a base do

desenvolvimento da

sua destreza manual.

O pai de Luís Braille teve conhecimento da existência da Instituição Real

dos

Jovens Cegos, em Paris, e escreveu repetidas vezes ao director para se

inteirar

dos trabalhos que ali se realizavam e certificar-se de que eram

verdadeiramente

úteis para a educação do seu filho. Depois de algumas hesitações,

decidiu-se

pelo internamento.

Luís Braille deu entrada na Instituição em 15 de Fevereiro de 1819. Ali

estudou

e leu nos livros impressos em caracteres ordinários, ideados por Valentin

Haüy.

Era habilidoso, aplicado e inteligente. Carácter sério, dele também se

pode

dizer que era a honradez em pessoa. Espírito metódico e apaixonado pela

investigação, nele predominava a imaginação criadora e a mentalidade

lógica.

A partir de 1819 Luís Braille viveu uma vida de internado na Instituição

dos

Jovens Cegos, que foi para ele como que um segundo lar. Mas passava as

suas

férias em Coupvray e aqui residiu também todas as vezes que a doença o

obrigou a

prolongados repousos. Em Coupvray permaneceram os seus restos mortais

desde 10

de Janeiro de 1852, já que a sua morte se verificou em Paris, a 6 do

mesmo mês.

No centenário da sua morte, em Junho de 1952, representantes de quarenta

países

foram em romagem a Coupvray, ao túmulo de Luís Braille, e acompanharam a

transladação do seu corpo para o Panteão dos Homens Ilustres. Era o

reconhecimento da França, para quem o nome de Braille é um raio do

esplendor da

intelectualidade e do humanismo francês. Era a gratidão dos cegos de todo

o

mundo, para quem Braille, mais do que um nome, é um símbolo. Símbolo da

emancipação conquistada, para todos os cegos, por um dos seus.

III - DA SONOGRAFIA DE BARBIER AO SISTEMA BRAILLE

No próprio ano em que Luís Braille foi admitido como aluno da Real

Instituição,

o capitão de artilharia Carlos Barbier de la Serre começou a interessar-

se pela

escrita dos cegos.

Apaixonado pelos problemas da escrita rápida e secreta, Carlos Barbier

ideou um

processo, que foi evoluindo ao longo de sucessivos aperfeiçoamentos,

destinado a

velar o segredo das mensagens militares e diplomáticas. Em determinada

fase da

sua evolução o processo aparece na forma de uma sonografia constituída

por 36

sinais representativos de outros tantos sons e distribuídos por 6 linhas

de 6

sinais cada uma, formando igual número de colunas. Bastava indicar, por

dois

algarismos, a linha e a ordem que o sinal nela ocupava para facilmente o

identificar.

Numa outra fase desta evolução Barbier teve a ideia de designar as

coordenadas

dos seus símbolos sonográficos por certo número de pontos (indicativos da

linha

e da coluna a que o símbolo pertencia) colocados em duas filas verticais

e

paralelas. Assim, por exemplo, o sinal que estivesse em última posição na

segunda linha seria representado por dois pontos na fila vertical

esquerda e

seis pontos na fila vertical direita.

Neste ponto da sua evolução a sonografia de Barbier estava concebida e

realizada

para que os videntes se entendessem no que concerne à escrita secreta por

meio

de pontos, que deviam fazer-se com o lápis ou a pena.

Mas, sendo Barbier capitão de artilharia, algum dia terá pensado na

necessidade

de os oficiais em campanha expedirem mensagens na obscuridade. Assim, em

novo

aperfeiçoamento, introduziu os pontos em relevo para ir ao encontro dessa

necessidade. Barbier inventou um pequeno instrumento por meio do qual,

com

auxílio de um estilete, podiam gravar-se no papel todos os símbolos do

seu

sistema. E deu o nome de «escrita nocturna sem lápis e sem tinta» a esta

sonografia mais aperfeiçoada. A «escrita nocturna» podia até tornar

possível

decifrar mensagens no escuro, contando os pontos com os dedos.

O tacto acabou por aparecer como elemento essencial para a interpretação

dos

símbolos formados por pontos em relevo, que agora constituíam a

sonografia de

Barbier. Foi então que lhe ocorreu, não se sabe devido a que

circunstâncias, pôr

esta sonografia, ou «escrita nocturna», ao serviço dos cegos. Do ponto de

vista

psicológico, coube-lhe o mérito de evidenciar que a leitura por meio de

pontos é

mais adequada para o sentido do tacto do que as letras vulgares em relevo

linear.

Em Março e Abril de 1821, depois de ter experimentado com alguns cegos,

Carlos

Barbier foi recebido na Instituição e apresentou a sua «escrita

nocturna». Mas

as grandes dimensões dos caracteres tornavam difícil conhecê-los ao

primeiro

contacto táctil e lê-los sem ziguezaguear com o dedo através das linhas.

Por outro lado, os princípios fonéticos em que o sistema assentava faziam

dele,

apesar dos seus méritos, um sistema pouco prático.

O sistema de Barbier nunca foi usado na Instituição, mas constituiu a

base dos

trabalhos que Luís Braille realizou por volta de 1825. Luís Braille

reconheceu

que os sinais com mais de três pontos em cada fila ultrapassavam as

possibilidades de uma única percepção táctil. Tratou, pois, de lhes

reduzir as

proporções, de modo a obter sinais que pudessem formar uma verdadeira

imagem

debaixo dos dedos. Além disso, criou uma convenção gráfica, atribuindo a

cada

símbolo valor ortográfico e não fonético, em perfeita equivalência com os

caracteres vulgares.

Aponta-se geralmente o ano de 1825 como a data do aparecimento do Sistema

Braille, mas só em 1829 Luís Braille publicou a primeira edição do seu

«Processo

para Escrever as Palavras, a Música e o Canto-Chão por meio de Pontos,

para Uso

dos Cegos e dispostos para Eles», a que deu forma definitiva na segunda

edição

publicada em 1837.

Na edição de 1829 há 96 sinais. Os sinais estão agrupados em nove séries

de dez

sinais cada uma e mais seis suplementares. Apenas as quatro primeiras

séries

correspondem ao sistema que actualmente conhecemos. As restantes séries

combinam

pontos e traços, aproveitando, pois, elementos dos métodos anteriores de

escrita

linear.

O «Processo» de 1829 proporcionou uma excelente base de experimentação.

Sabe-se

que por volta de 1830 o Sistema Braille se começou a empregar nas aulas

para a

escrita de exercícios.

Esta feliz iniciativa fez com que se prescindisse dos sinais com traço

liso,

muito difíceis de escrever. A edição de 1837 confirma o alfabeto e

estabelece

uma estenografia rudimentar, que evoca claramente a sonografia de

Barbier.

Normaliza a representação dos números, que vêm formados pelos sinais da

primeira

série precedidos do que ainda hoje conhecemos como «sinal numérico». Os

sinais

de pontuação são representados com os sinais que constituem a actual

quinta

série.

A edição de 1837 contém ainda uma notação que, nas suas linhas

essenciais,

constitui o núcleo da musicografia braille dos nossos dias.

IV - O TRIUNFO DO SISTEMA BRAILLE

Era necessário um cego para imaginar um alfabeto táctil. E também foi

preciso,

em muitos sítios, o esforço perseverante dos cegos para impor o seu uso.

Os

professores e directores de escolas especiais, quase sempre pessoas

videntes,

eram contrários à adopção de um alfabeto duro para a vista. Por isso,

agarravam-se ao princípio de Haüy segundo o qual a educação dos cegos não

deveria diferenciar-se da dos videntes, levavam esse princípio ao exagero

e não

renunciavam à leitura em caracteres comuns. Só o formidável impulso dos

cegos

que se serviam do alfabeto braille pôde obrigar os responsáveis pela sua

educação a reconhecer os frutos que a aplicação deste alfabeto produzia

nas

escolas.

Coisa diferente aconteceu nos países ou regiões em que não era conhecido

nenhum

outro método de leitura e escrita para cegos. Foi o caso da América

Latina, onde

a história da educação das pessoas cegas começa com o Sistema Braille. A

chegada

do braille, o início da alfabetização e educação e também a criação de

imprensas

e bibliotecas para cegos foram fenómenos simultâneos.

NA FRANÇA. - A Instituição Real dos Jovens Cegos, onde o Sistema Braille

foi

concebido e aperfeiçoado, demorou 25 anos a aceitá-lo de maneira

definitiva.

Aponta-se a data de 1854 como a da implantação do Sistema Braille em

França.

Na Instituição era conhecido outro método de leitura para cegos. O

director foi

jubilado prematuramente e o novo director pretendeu voltar ao relevo

linear,

impondo-o no campo literário entre 1840 e 1850. Durante esses anos de

eclipse o

braille afirma-se na música (há obras impressas em que o texto literal

aparece

em caracteres ordinários em alto relevo e a música em notação braille) e

os

alunos e professores usam-no nas suas coisas pessoais.

NO BRASIL. - A data de 1854 pode também considerar-se como o ponto de

partida da

difusão do Sistema Braille fora da França.

Nesse ano foi levada a cabo, na Instituição Real dos Jovens Cegos, a

impressão

de um método de leitura em língua portuguesa, registado no Museu Valentin

Haüy

com o nº 1439.

Acontece que um rapaz cego, José Álvares de Azevedo, regressou ao Brasil

depois

de ter estudado durante seis anos em Paris. O Dr. Xavier Sigaud, médico

francês

que esteve ao serviço da corte imperial brasileira e pai de uma filha

cega,

Adélia Sigaud, conheceu-o e apresentou-o ao Imperador D. Pedro II,

conseguindo

despertar o seu interesse para a possibilidade de educar os cegos. O Dr.

Xavier

Sigaud foi o primeiro director do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,

hoje

Instituto Benjamin Constant, inaugurado no Rio de Janeiro em 17 de

Setembro de

1854.

EM PORTUGAL. - Adélia Sigaud estava em Lisboa por volta de 1885. É

conhecida na

história da tiflologia em Portugal como «Madame Sigaud Souto». Aqui

estava

também, por essa altura, Léon Jamet, que era organista na igreja de S.

Luís dos

Franceses e havia estudado na Instituição de Paris.

A convivência com estes dois não videntes instruídos motivou, em 1887, um

grupo

de pessoas a fundar a Associação Promotora do Ensino dos Cegos. Em 1888 a

APEC

inaugurava a sua primeira escola, que adoptou a classificação de asilo-

escola e

tomou por patrono António Feliciano de Castilho em 1912, ao instalar-se

em Campo

de Ourique, em edifício próprio.

Branco Rodrigues (1861-1926) colaborou com Madame Sigaud Souto. Foi o

primeiro

grande impulsionador da valorização dos cegos em Portugal. Em 1896,

depois de

ter instruído alguns alunos na escola da APEC, criou uma aula de leitura

e de

música no Asilo de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide. Em

1897, numa

sala cedida pela Misericórdia de Lisboa, instalou outra aula de leitura.

Fundou

escolas que vieram a transformar-se no Instituto de Cegos Branco

Rodrigues, em

S. João do Estoril, e no Instituto S. Manuel, no Porto. Dotou essas

instituições

com bibliotecas braille, literárias e musicais, quer adquirindo livros

impressos

no estrangeiro, quer promovendo a sua produção por transcritores e

copistas

voluntários. Além disso, com a colaboração de um habilidoso funcionário

da

Imprensa Nacional, fez as primeiras impressões em braille que apareceram

em

Portugal. A primeira impressão foi em 1898, de um número especial do

«Jornal dos

Cegos», comemorativo do 4º centenário do descobrimento do caminho

marítimo para

a Índia.

NOS PAÍSES GERMÂNICOS. - A segunda edição do «Processo», em 1837, foi

confeccionada para dar a conhecer o Sistema Braille e assegurar a sua

difusão no

estrangeiro. Apresentava o Pai Nosso em seis línguas - latim, italiano,

espanhol, inglês, alemão e francês -, com a correspondente versão em

caracteres

ordinários em relevo linear. Sabe-se que esta edição foi remetida a todas

as

escolas de cegos então existentes.

Mas nos países germânicos o Sistema Braille levou 40 anos a impor-se. Era

acusado de erguer um muro entre os cegos e os videntes. Não se queria

aceitar um

processo que os videntes não podiam ler senão após um período de

aprendizagem.

Uns estavam demasiado apegados à rotina e outros queriam ser também

inventores.

Por isso, o sistema original francês haveria ainda de sofrer um novo

embate. Em

Santa Maria de Leipzig, fazendo malabarismos com o braille, idearam um

alfabeto

no qual as letras com menos pontos correspondiam às letras mais usadas em

língua

alemã. Assim, a primeira série representava as letras e, m, r, u, i, l,

p, g, d,

f. O Congresso Internacional de Paris, em 1878, liquidou estas diferenças

por

grande maioria, inclinando a balança para o sistema francês. Assistiram

representantes da Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda,

Suécia, Suíça, Estados Unidos...

NOS ESTADOS UNIDOS. - De todos os países de línguas europeias só os

Estados

Unidos da América se atrasaram muito em seguir este movimento. Na maior

parte

das instituições usavam-se os caracteres romanos juntamente com o «New

York

Point» ou «Wait System». Neste sistema, o rectângulo braille tinha três

pontos

de largura por dois de altura. O acordo apenas surgiu no Congresso de

Little

Rock, em 1910.

O braille original impunha-se pelas suas próprias virtudes.

V - O SISTEMA BRAILLE E A VIDA DOS CEGOS

O Sistema Braille é constituído por 63 sinais, obtidos pela combinação

metódica

de seis pontos que, na sua forma fundamental, se agrupam em duas filas

verticais

e justapostas de três pontos cada. Estes sinais não excedem o campo

táctil e

podem ser identificados com rapidez, pois, pela sua forma, adaptam-se

exactamente à polpa do dedo.

Na leitura qualquer letra ou sinal braille é apreendido em todas as suas

partes

ao mesmo tempo, sem que o dedo tenha que ziguezaguear para cima e para

baixo.

Nos leitores experimentados o único movimento que se observa é da

esquerda para

a direita, ao longo das linhas. Não somente a mão direita corre com

agilidade

sobre as linhas, mas também a mão esquerda toma parte activa na

interpretação

dos sinais. Em alguns leitores a mão esquerda avança até mais ou menos

metade da

linha, proporcionando assim um notável aumento de velocidade na leitura.

Dispondo de um processo fácil de leitura, o gosto pelos livros estendeu-

se

amplamente entre os cegos e ocupou um lugar importante na sua vida. À

instrução

oral sucedeu a instrução pelo livro. O conhecimento intelectual, sob

todas as

suas formas (filosofia, psicologia, teologia, matemáticas, filologia,

história,

literatura, direito...), tornou-se mais acessível aos cegos.

Os benefícios do Sistema Braille estenderam-se progressivamente, à medida

que as

aplicações revelavam todas as suas potencialidades. As estenografias

tornaram a

escrita mais rápida e menos espaçosa. As máquinas de escrever permitiram

fazer

simultaneamente todos os pontos de um sinal, em vez de os gravar um a um,

com o

punção. Enfim, obteve-se o interponto, graças a um sistema de precisão em

que é

possível intercalar os pontos do reverso de uma página com os do seu

anverso.

Nos dias de hoje as novas tecnologias representam o mais espantoso

contributo

para valorizar o Sistema Braille, depois da sua invenção. A drástica

redução de

espaço proporcionada pelo braille electrónico é exemplo disso. Um livro

em

braille com 2000 páginas de formato A4 pode ficar contido numa só

disquete. Uma

vez introduzido o texto desse livro no computador, o utilizador cego tem

ao seu

alcance toda a informação não gráfica disponível no ecrã, que pode ler

através

de um terminal braille.

Um outro exemplo é a facilidade de imprimir textos em braille.

Introduzidos no

computador, os textos podem ser submetidos a um programa de tratamento

específico e sair numa impressora braille. Os textos assim tratados podem

utilizar-se, quer na produção directa em papel, quer na produção de

placas de

impressão, conforme o número de exemplares a obter. A impressão de

livros,

permitindo a sua multiplicação, tem um efeito cultural considerável.

VI - A UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BRAILLE NOS NOSSOS DIAS

Não obstante as virtudes do Sistema Braille, não obstante a extensão dos

seus

benefícios, temos de reconhecer que nos nossos dias existe uma tendência

para a

menor utilização do braille e para o abaixamento da qualidade do braille

que se

utiliza. O alerta foi dado quando o uso dos livros sonoros se começou a

generalizar, mas há outros factores que igualmente explicam a crise.

Entre estes

factores conta-se a exiguidade dos fundos bibliográficos braille, que

podem

eventualmente não corresponder às necessidades dos potenciais

utilizadores. Em

Portugal, por exemplo, a maior parte do braille que se produz é destinada

ao

ensino, designadamente aos estudantes que frequentam o ensino regular.

A crise do braille também tem a ver com dificuldades inerentes ao próprio

braille, sobretudo quando, como acontece actualmente entre nós, essas

dificuldades são agravadas por um ensino mal orientado. Efectivamente,

hoje em

dia, durante a Escolaridade Obrigatória, os nossos estudantes cegos não

são

motivados para a prática do braille nem o conhecem em todas as suas

modalidades.

Lêem pouco, o processo de reconhecimento dos caracteres é lento e eles

cansam-se

depressa. Incapazes de ler a um ritmo satisfatório, fogem de utilizar os

livros

e manuais que já vão tendo ao seu dispor. Recorrem preferencialmente a

textos

introduzidos no computador, que ouvem com recurso à voz sintética, ou

servem-se

de leituras feitas por outrem, normalmente gravações em fita magnética

(livros

sonoros). A falta de leitura directa reflete-se, naturalmente, na

escrita, que é

deficiente quanto ao braille e desconcertante quanto à ortografia.

Os livros sonoros e a informática são muito importantes para o

desenvolvimento

cultural dos cegos, mas nada poderá ou deverá substituir o braille como

sistema

base da sua educação. Tal como a leitura visual, a leitura braille leva

os

conhecimentos ao espírito através de mecanismos que facilitam a meditação

e

assimilação pessoal daquilo que se lê. O braille permite estudar os

quadros em

relevo e ler eficientemente os livros técnicos. O braille é, ainda, o

único meio

de leitura disponível para os surdocegos. Por outro lado, a perfeição na

escrita

está relacionada com a leitura braille que cada um faz, pois é através

dela que

entra em contacto com a estrutura dos textos, a ortografia das palavras e

a

pontuação.

A qualidade do ensino do braille é decisiva para uma leitura destra e

para a

aquisição de hábitos de leitura. Se os alunos cegos, como as outras

crianças,

forem motivados para a prática normal e constante do seu método de

leitura e

escrita, a leitura será rápida e tornar-se-á também mais agradável e

instrutiva,

porque a atenção, menos requerida pelo trabalho de reconhecimento dos

caracteres, irá mais em ajuda do pensamento. Ao acabarem de ler, as

crianças e

jovens cegos terão aprendido alguma coisa e estarão mentalmente dispostos

a

partir para novas leituras. Ora, é a ler que se ganha e se desenvolve o

gosto

pela leitura. Só o gosto de ler garante que o processo de aquisição de

cultura

não se interromperá ao sair da Escola, apesar das vicissitudes do

quotidiano. E

não se pode ignorar a importância da cultura como factor de integração

social,

como instrumento de trabalho e como elemento de conscientização na vida

das

pessoas cegas.

É, pois, necessário rever a política até agora seguida pelo Ministério da

Educação no que toca ao ensino dos alunos cegos, para que os passe a

habilitar a

ler e a escrever braille exactamente como os demais alunos são

habilitados a ler

e a escrever. Levar os jovens cegos a utilizar abusivamente meios que são

complementares do braille, não lhes fornecer os livros em braille e

outros

materiais de que precisam e já existem ou é possível produzir, abandoná-

los a si

mesmos ou às condições que o meio familiar e a sua escola lhes dêem,

equivale a

comprometer seriamente, no dia de amanhã, as suas possibilidades de

afirmação,

tanto na vida profissional como nas actividades de lazer.

Julho de 2000.

[início da contracapa]

Alfabeto Braille

COMISSÃO DE BRAILLE

SECRETARIADO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA

Avª. Conde de Valbom, 63

1069-178 LISBOA

Telf.: 21 792 95 29

Fax: 21 794 22 08

Email: comissao.braille@snripd.mts.gov.pt

[fim da contracapa]

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